O amor ao próximo produz respeito, ação e
alegria
Chegando um dos escribas, tendo ouvido a discussão entre eles, vendo como Jesus
lhes houvera respondido bem, perguntou-lhe: Qual é o principal de todos os manda-
mentos? Respondeu Jesus: O principal é: Ouve, ó Israel, o Senhor, nosso Deus, é o
único Senhor! Amarás, pois, o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a
tua alma, de todo o teu entendimento e de toda a tua força. O segundo é: Amarás o
teu próximo como a ti mesmo. Não há outro mandamento maior do que estes.
[Marcos 2.28-31]
Duas mulheres compareceram diante do rei Salomão para que julgasse a
sua causa - disputam a posse do mesmo filho. O rei propõe cortá-lo ao
meio e dar uma metade do filho a cada mulher. Uma aceita e a outra não.
O rei concluiu: Deem a criança à primeira mulher. Ela é a mãe [1 Reis
3.16-28], pois concluiu que era a que amava verdadeiramente a criança,
não desejando sua morte. Esta simples história é uma excelente ilus-
tração da mensagem bíblica que fez do amor o critério da fé.
O mandamento você deve
amar o seu próximo ficou
tão conhecido que não
prestamos atenção à per-
gunta que ele coloca. Não
estaríamos na presença do que foi chamado de uma dupla restrição? A
expressão: você deve amar é contraditória porque, antes de tudo, o amor
não se pode ordenar; e se ele é ordenado, então não é mais amor, mas
dever.
Amor como uma ação, muito mais do que sentimento
A única saída deste impasse é separar radicalmente o amor ao próximo
de qualquer noção de sentimento. Na Bíblia, o amor não é uma emoção,
mas preocupação, processo, compromisso. Por exemplo, o livro de
Levítico [19.11-18], no qual aparece pela primeira vez, indica o amor ao
próximo como conclusão de uma série de normas muito práticas: Não
furtem. Não mintam. Não enganem uns aos outros... Não oprimam, nem
roubem... Não retenham o pagamento... Não cometam injustiça... Não
espalhem calúnias... Não guardem ódio... Não procurem vingança ... mas
ame cada um o seu próximo como a si mesmo.
O sentido é o mesmo quando Paulo escreve aos crentes de Corinto [1
Coríntios 13], apresentando uma sucessão de quinze verbos, que indicam
ação, sem um único adjetivo. O amor na concepção bíblica é ação conc-
reta, é o trabalho que eu empreendo para permitir que meu próximo
cresça em todas as dimensões de sua pessoa.
Desse entendimento, podemos extrair três consequências:
1. Eric Hoffer nos ensina que é mais fácil amar a humanidade inteira do
que amar o seu vizinho. A Bíblia não pede que amemos todos as pessoas
do mundo, mas nosso próximo. O próximo é aquele que está próximo, e é
também o seguinte, o próximo que eu vou encontrar em meu caminho.
Eu posso sentir simpatia por todos as pessoas. Por outro lado, o ver-
dadeiro amor é trabalho, e a capacidade de concretizá-lo é limitada.
Neste sentido, torna-se necessário que compreendamos que a virtude que
acompanha o amor é a coragem, e o oposto não é meramente o ódio, mas
a indiferença.
2. Simone Weil nos lembra que a plenitude do amor ao próximo é poder
lhe perguntar: Qual é o seu tormento?. O amor nos conduz ao conheci-
mento do outro. Quanto mais conhecemos nosso próximo, mais é
possível saber o que faz com que ele se sinta bem e mais teremos
condições de fazer fluir o amor por ele.
3. Podemos aprender também com Leibniz que o amor é fazer sua a
felicidade de outra pessoa. Nem sempre é fácil termos alegria quando
outras pessoas estão tendo sucesso, pois nossa inclinação natural nos leva
à comparação. Quando Deus convoca Moisés para falar com o Faraó, ele
lhe responde que não é um homem de boa fala. Deus então responde que
enviaria seu irmão, Arão, e lhe diz: Ele já está vindo ao seu encontro e se
alegrará ao vê-lo [Êxodo 4.14]. Ao permitir alegremente que Moisés
cumprisse o seu chamado divino, Arão revela o verdadeiro significado do
amor bíblico.
No evangelho de João [15.11], depois de entregar o mandamento do
amor, Jesus acrescenta: Tenho lhes dito estas palavras para que a minha
alegria esteja em vocês e a alegria de vocês seja completa. O amor leva à
alegria de uma ação respeitosa porque, ao permitir a satisfação do meu
próximo, eu regenero a mim mesmo. De certa forma o amor como ação
acaba sendo terapêutico. Despertando o chamado do meu próximo, eu
acabo por realizar também o meu chamado!
André Filipe de Farias Sass
É pastor auxiliar da PIB em Vila Nova Cachoeirinha (Capital, SP),
Doutorando em Filosofia Sociológica (EHESS PARIS) e Doutorando
(IPT-PARIS), Bacharel e Mestre em Teologia. Professor de Filosofia e
Ciências Sociais na Teológica e pesquisador associado ao Fonds
Ricoeur (Paris-FR) e representante no Brasil da Associação Croix
Huguenote (Montpellier-FR).
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“Mais do que sentimento, o amor
precisa ser compreendido como
ação.”